sexta-feira, 16 de março de 2012

Não se afobe não que nada é pra já

O show de Chico começa e a obra se esparrama pelo teatro em uma história farta de amores, dramas, desencontros, desejos, suspiros...Ouvidos atentos, bocas cantantes e olhos marejados! Meninos, eu vi! Foi contemplação incrédula do início ao fim. Nos dois primeiros atos, o espírito da montagem se insinua, faceiro. O velho Francisco fala de passado e presente com nostalgia, pois vida veio e lhe levou. Na volta ao samba, a mensagem de que assim mesmo o show devira continuar, apesar de o artista ser quase um setentão.Pensaram que ele não vinha mais, pensaram? Cansaram de esperar por ele?

E eis que Vinícius entra espiritualmente em cena. "Desalento", parceria com o poetinha, sai da boca do compositor em seus clamores amorosos mais doloridos: "Vai e diz, diz assim como sou infeliz no meu descaminho. Diz que estou sozinho sem saber de mim". Após tantos esgares apaixonados, viria "Injuriado", descascando revoltas irônicas contra o ex-amor. "Dinheiro não lhe emprestei, favores nunca lhe fiz, não alimentei o seu gênio ruim. Você nada está me devendo, por isso meu bem não entendo porque anda agora falando de mim".

As canções do novo CD, que atende pelo singelo nome de Chico, já começam a se desatar, com caminhos tão iluminados de sim. E as mocinhas filmam, com seus celulares e, uma na minha frente, encolhe-se atônita, mexendo nos cabelos com charme pornograficamente buarqueano. Ela tinha olhos de azul claramente espantoso, quase desfazendo sua silhueta a cada música. O artista sopra que um cão de hora em hora lhe arrancava um pedaço. Até que ouvimos o artesão das palavras  não saber se era a Aurélia ou Aurora a quem havia oferecido músicas feitas por outro compositor. Um falso ladrão nosso mestre!

Então ouvimos o amante contar-nos que seu "cabelo é cinza e o dela é cor de abóbora". Assim lamenta e agradece uma paixão tardia que o tempo lhe promete tungar ("Meu tempo é curto, o tempo dela sobra"). E logo diz que o seu coração ela "ora brinca de inflar, ora esmaga". E enseja o aviso: "Se eu soubesse não andava na rua, perigos não corria, não tinha amigos, não bebia". Mas como não sabia, nos brindou com uma continuação de Vinicius e Tom em "Sem Você 2", um lamento do tamanho de um desalento em que, por ela, esqueceria do futebol e do museu.

Então, o artista retorna às dores de camarim, como o fez muitas vezes de empréstimo Cauby Peixoto, e garante que chorou até ter dó de si naqueles bastidores. Seria na coxia? No soldo, vem um punhado de todos os sentimentos que prometem regresso: "Depois de te perder, te encontro com certeza, talvez no tempo da delicadeza". Ah, o tempo da delicadeza! Quantas mocinhas e mulheres libertaram lágrimas nesta hora. Eu presenciei. Lágrimas delicadas, sinceras, floridas.

De repente, o eu lírico feminino do compositor se faz presente. Ele não faltaria! A mulher que nele reside sobe ao palco e fala que seu amor tem um jeito único de "pousar as coxas entre as minhas coxas quando ele se deita". Terezinha se aproxima e conta que só o terceiro, que nada lhe ofereceu, mereceu seu mais profundo e tórrido amor. Ana de Amsterdã pede passagem e suas lamúrias de meretriz de além-mar se misturam em frenéticas "vendas, trocas, bocas, loucas..." E o teatro ganhava ares de dezembro de um ano dourado, quando tornava-se duro rever o grande amor. Mas, sob medida, a verdade se explicitou. O parceiro não presta, assim como ela, e devem dividir numa alcova suas imperfeições humanas.

Logo, mais uma mulher estrangeira domina o espaço. É Nina, mais recente integrante da casa das mulheres várias de Chico. Ela mora na Rússia e quer carregar o homem para conhecer a noite de Moscou. Homem que conta tomar alguma vodka e mergulhar nesses descaminhos - os mesmos do desalento, lá do início? Eis que surge uma valsa brasileira e o amante chega mil dias antes de conhecer seu objeto de devoção.

Em um espasmo, a plateia vai ao delírio. É a hora e a vez de Geni. Para tacar pedras imaginárias, não houve hesitação. Mesmo as moças mais delicadas, eu testemunhei, exaltavam-se no refrão "Ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir". Quanto sadismo real!

O artista deixa de lado a pouca vaidade que já possui e chama a potência vocal do baterista Wilson das Neves. E a apoteose. Na mão dele o coração suspira quando a moça se atira no salão. Apenas Tereza da praia para acalmar a dúplice alma dos contendores. O músico parceiro retorna para o instrumento e Chico pode emendar a violeira com o canto do baioque. E vem o aviso mais revoltoso: "O meu riso é uma fenda escavada no chão". São os gritos emocionais que deixam a gruta para verbalizar o qu sentem.

Houve tempo para uma homenagem ao rapper Criolo, num Calice (-se) improvisado. E o espaço que sempre se dá a quem sofre. O violão de João Bosco ficou ao fundo nas súplicas do escravo que jura não ter visto Sinhá despir-se. E a pergunta da diferença carnal: "Por que me faz tão mal com olhos tão azuis". O ierieri (ideia do Bosco) prenuncia o epílogo da magia. Mas hoube bis para a Barafunda de Garrincha, Mandela e outros tais. E o Rio transformado, talvez, na cidade submersa dos futuros amantes. Pois ficou no coração um até logo. Amores serão sempre amáveis. Chicos serão sempre buarques. Nada é mesmo para já!

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