quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O chiclete da tortura

O chiclete da tortura



Pisar num chiclete é um desastre. A goma de mascar não é lá um objeto descomunal, a depender da marca tem o tamanho de uma joaninha, mas se você pisar numa terá um tormento considerável. Se estiver a caminho do trabalho, de um encontro amoroso ou de uma visita a amigos, então, nem se fale. Você longo sente que seu tênis deu de cara com uma na pisada seguinte. Dá aquela colada que faz o pé mover-se fora do padrão. Encostar num muro e tentar arrancar será uma cena patética e infrutífera. Além de naquele momento não tratar-se mais de uma simples pasta rosada, avermelhada ou azul-anil, e sim de uma gosma esparramada com micróbios e alguns pontos negros. Afinal, não custa lembrar, ela é feita para mascar. Então, tirar é uma operação trabalhosa, hercúlea, necessita de paciência, concentração e muitas caretas de nojo. 

Qual a primeira reação de alguém que pisa no chiclete no meio da rua? É soltar um "putis", para não dizer coisas mais indelicadas. É uma desgraça! Nesse momento crimes de guerra na Síria, médicos cubanos e a briga com a namorada tornam-se futilidade. O grande encosto é a goma que agora mora na sua sola. Ela está ali como um carrapato. E veio de uma boca que você desconhece. Você, então, pragueja aquele mascador suíno, que jogou a borracha açucarada em lugar público. Lixo para quê? Se conhecesse o dito cujo recorreria a um vodu e desejaria que pisasse, inadvertidamente, em uma tribo de chicletes grossos e babados.

Na sola do tênis as ranhuras ajudam no transtorno. Os pedaços ficam infiltrados por ali. No sapato, quando caminhava para o casamento, passou a compor a superfície. Caso desista, você terá que disfarçar. Não cruze as pernas com o calçado enchicletado para cima. Ao menos se fosse ao show do Chiclete com banana pareceria uma homenagem, teria um argumento. O jeito é entrar em um banheiro, público, da empresa ou da casa do amigo, sentar-se na tampa da privada e iniciar o resgate da lisura. Os últimos pedaços darão trabalho. Os restos das papilas gustativas alheias te virão à ideia. O fato é que chiclete quando cola te leva à tortura.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

As compras de uma vida inteira

A gente sempre tem alguma coisa para comprar. Acabou a pasta de dentes, o sabonete tá pequenininho, a lâmpada pifou, o fogão idem, a geladeira ibidem... Não tem mais queijo na geladeira, a manteiga só rende se raspar as frestas do pote e as poucas frutas, no fundo da gaveta, estão machucadas. E roupas? Amigos resolvem casar e o único paletó não dará conta do recado. Os tênis estão ficando surrados, o estoque de meias é de dar vergonha e o de cuecas nem se comenta. No quarto, a proteção da gaveta se soltou, os lençóis estão com poucos substitutos, diga-se o mesmo de fronhas e cobertores, e o aquecedor para os dias de frio está com um ruído estranhíssimo. Faltam talheres para receber visitas, os pratos azuis estão demodês e as cortinas estão um horror. De repente, queima a televisão e o chuveiro! Precisa de uma lixeira nova, de um varal novo, de uma fechadura nova, de um apartamento novo... 

Muitas reformas, trocas e aquisições a gente deixa pra mais tarde. O orçamento não aguenta! A paciência não existe! O tempo urge! A preguiça é senhora! Mas sempre haverá o incômodo de um taco solto no chão, de um batente envelhecido, da falta de um guarda-livros e do número insuficiente de travesseiros. Isso para não dizer das lacunas tecnológicas. Como não tenho o último modelo de smartphone? E a TV de cinematográficas polegadas? Um e-book para finalmente ler livros sem esperar sua importação não seria uma má pedida, heim? 


Não queremos só comida e roupa lavada. Queremos mais e mais. As primeiras necessidades clamam: acabou o cotonete e o bombril - não à toa, duas marcas metonímicas, que transformaram-se no nome do produto. Higiene e alimentação são de primeira grandeza. A preocupação não acaba. 

O consumo vive entre a urgência e a opulência. Gastamos horas da vida comprando e planejando o que comprar, mesmo que nada disso levemos para o caixão (embora saiba de gente que pediu para se enterrada com celular e outros sejam sepultados com a roupa da moda). Seguimos fazendo sexo e precisando sorrir, duas coisas que não são exatamente compradas - a não ser que você vá a uma casa de senhoritas ou pague para ver um stand-up comedy. Putis, vou ter que parar este texto pra ir à padaria, acabou o pão e ela fecha cedo...