quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Eu tenho medo de voar de avião


Vem a primeira sacodida e já sinto o coração acelerar. Quando acende a luzinha vermelha com o aviso de atar cintos, seguido pelo recado da comissária de bordo de que "passaremos por uma zona de turbulência", não consigo mais fazer outra coisa a não ser rezar - logo eu, que não sei rezar! O desejo de gritar: Parem esta máquina!, logo é estancado pela sensata recordação de que estamos no ar e parar significa despencar.

É sempre assim! Viajar de avião pra mim é passar por momentos tensos, sem pegar no sono, por mais que o cansaço seja enorme, e espantar-me com a tranquilidade (simulada?) dos passageiros ao lado. Esse medo já foi maior.

O pavor me fez virar um pesquisador sobre acidentes aéreos e as propriedades físicas que fazem essas geringonças lindas (acho aviões belíssimos) flutuar em velocidade e alturas enormes. Isso me ajudou a ter algumas gotas de racionalidade. Mas os chacoalhões no ar, comumente, transformam isso em pó. Já fiz viagens longas, duas delas para a Europa nos últimos meses, e curtíssimas, tipo ponte Rio-São Paulo e uma de Santiago a Mendoza (ARG) cujo trajeto era feito no ritmo de samba por cima da Cordilheira dos Andes, e os momentos de apreensão sempre aparecem.

Com maior ou menor intensidade, sempre há turbulência. Já li que turbulência não derruba avião. O pedido pra colocar os cintos seria, nesses momentos, apenas pra evitar que num deslocamento mais brusco, numa eventual perda repentina de altura, o sujeito bata o cocuruto no teto, seja jogado para o corredor ou até caia no colo de uma aeromoça - esta possibilidade é a única que me atrai, dada a quantidade absurda de lindas mulheres de todas as nacionalidades que trabalham em aeronaves. Mas aquele avião da Air France que caiu perto do Oeste africano foi derrubado por forte turbulência, não? Aiaiaiaia!

A pessoa que tem medo de voar - e já vi pesquisas (não sei citar as fontes) mostrando que quase todo mundo, em maior ou menor grau, tem essa fobia - sempre se detém mais à exceção que à regra. É comum que sempre nos apeguemos aos raros acidentes famosos para temer, ignorando os milhares de voos que acontecem todos os dias sem problemas. Vejam meu caso:

- Tenho medo da decolagem porque me lembro do acidente do Jabaquara, no fim dos anos 90.

- Tenho medo da turbulência no voo de cruzeiro porque lembro do Air France que ía a Paris e virou mil peças no oceano.

- Tenho medo de uma colisão com outra aeronave no ar porque lembro do choque da aeronave da Gol com aquele Legacy bem na asa.

- Tenho medo de choque contra uma montanha ou outro acidente geográfico porque lembro dos Mamonas Assassinas ou de uma construção humana, como no caso dos jogadores do Torino em 1949, quando o avião bateu em uma das torres de uma basílica, na cidade de Superga.

- Tenho medo do pouso porque lembro do avião da TAM que não freou, atravessou a pista de Congonhas e deu de frente com um hangar da companhia.

- Tenho medo que o trem de pouso tenha sido danificado porque lembro do último filme do Almodovar, Os amantes passageiros, e de uma imagem que vi certa vez na TV de uma aeronave pousando sem uma das rodas, com chispas saindo no atrito do ferro com a pista.

- E quando, nas instruções de segurança, falam de pouso na água. Logo lembro de o Náufrago, com o Tom Hanks, e me imagino tendo que nadar num oceano frígido como o Pacífico e terminando dialogando com uma bola. Ou então daquela galera do pouso no Rio Hudson, em Nova York.. Ah não, chega!

E nem vou citar o medo de que uma ave seja engolida por uma das turbinas, como já aconteceu, para não parecer ridículo por demais.

Curiosamente, quando o avião é maior me sinto mais acolhido, como se querubins e serafins me fizesse carícias. Parece que sacode menos e, ao olhar pra frente, vê-se uma máquina tão imponente que é fácil imaginar-se dentro de um simulador. Simuladores não caem, bem sabemos.

Eu falei do pouso em parágrafo lá em cima, mas devo dizer que meu momento de maior alívio num voo é justamente quando vem o aviso de que está sendo iniciado o procedimento de aterragem. Por mais ciente que esteja de que a maior parte das ocorrências acontecem em decolagens e pousos, quando começamos a descer a proximidade com a terra me deixa confortável. Vejam como é a psiquê humana. Como se cair a, sei lá, 400 metros seja molezinha e meu corpo não fosse virar de qualquer forma um boneco esquartejado.

Já pude ver a Baia de Guanabara, a Floresta Amazônia, a Torre Eiffel, o Rio Tâmisa, os infinitos arranhas-céus paulistanos, a Cordilheira dos Andes e outras edificações humanas ou naturais das alturas, graças a Santos Dummont e outros pioneiros da aviação. Fico muito grato a eles.. Nunca deixei de fazer uma viagem porque o medo foi maior. O máximo que aconteceu foi alguma insônia pré-férias. Porque, como diz a canção, "eu tenho medo de voar de avião" (mas teria ainda mais de asa-delta ou helicóptero, claro).