terça-feira, 27 de março de 2012

As metamorfoses de um maluco beleza



Raul Seixas foi uma explosiva metamorfose ambulante. Foi uma mosca que pousou em sopas diversas e parecia um profeta nascido dez mil anos antes de seu tempo. Enfim, uma malucaço beleza que viveu em intensidade brutal e nela se consumiu. Isso tudo pode ser conferido no documentário Raul - O início, o fim e o meio, de Walter Carvalho, que está nos cinemas.

O material, que foi premiado pelo júrio no última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é esplêndido. A começar pelas imagens de arquivo que mostram o barbudinho cantando e contorcendo-se no palco, fazendo dueto com o antigo parceiro Paulo Coelho em dos seus últimos shows (o escrevinhador de "Veronika decide morrer vira coadjuvante diante do microfone e cala-se no refrão) e desmoronando bêbado em uma apresentação que despertou a ira do público, com latas de cerveja atiradas. Os depoimentos também são preciosos e com algumas revelações que não contarei aqui para não ser tachado de "estraga prazeres".

O mérito maior do trabalho, a meu ver, é seu caráter jornalístico. Uma cinebiografia que teve ares de biografia (nos livros costumamos ter mais devassas que nos documentários, que se valem de imagens para se bastar). Marcelo Nova e Paulo Coelho são apertados a falar de temas espinhosos. O primeiro sobre o suposto aproveitamento que fez de um Raul Seixas enfermo até a última gota para ganhar prestígio (ele é defendido por ninguém menos que Caetano Veloso, que faz uma maneirista interpretação da genial composição Ouro de tolo). Já o "mago" das vendas de livro Paulo Coelho, que foi convidado por Raul nos primeiros anos para fazer umas letras (várias clássicas), rechaça ter sido o responsável pelo consumo desenfreado de drogas do companheiro, embora admita ter apresentado heroína, haxixe e outras substâncias a ele. "O Raul era adulto, casado, com filho...", alega o renomado escritor. E a penúltima mulher de Raul emociona-se ao ouvir um áudio que desconhecia.

O batalhão de ex-esposas de Raul se faz presente no filme, inclusive as que moram nos Estados Unidos. Afinal, não foi ele que cantou que quem "gosta de maçã irá gostar de todas porque todas são iguais". A mãe e o irmão são figuras constantes no material, além do seu parceiro temporão Claudio Roberto, que, segundo o próprio, traria mais musicalidade para o rapaz, já que Paulo Coelho nada sabia de música.

Toda a loucura pacífica do músico se desnuda em 120 minutos bem alinhavados. A Sociedade Alternativa, os impulsos criativos, as ligações afetivas, as mágoas e sua importância para o rock, que misturou de baião a rap. De certa forma, um antropofágico adorador de Elvis Presley. Isso foi Raul no início, no fim e no meio. Talvez por isso seus reverenciadores, que encontram-se anualmente para festejá-los, dizem que ele está em todos nós, em cada um, circulando no espaço e no tempo.

Um comentário:

  1. Caro Miro, já assisti este doc umas 357 vezes! Você tem razão ao enaltecer o mérito jornalístico, pois o que se vê é o que ele foi, e não que os fãs gostariam que ele fosse. Ex-companheiras magoadas, mais pó e birita (e tinner) que béqui e outras características que não coadunam exatamente com a imagem "Raulzito Podicrê Maluco Beleza"; ele trazia uma certa angústia no espírito que eu desconhecia. Questões pessoais à parte, o filme é ótimo, e ainda nos brinda com uma figuraça como o Claudio Roberto, além de Paulo Coelho mostrando, by himself, como é bobo, inseguro e megalomaníaco. A cena em que ele se contradiz ao dizer que não vai matar a mosca (como se ele pudesse!) tem uma edição genial! Abraço do Maltrapa!

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