quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Leone e Moriconne, dois italianos que transformaram o oeste americano com filme e música

                                           Foto: os dois gênios conversando, Sergio Leone e Ennio Morricone

Não faz tanto tempo assim, resolvi mergulhar no universo dos faroestes (os westerns, pra ser mais pomposo). Mas não no bang-bang que quando moleque observava na Sessão da Tarde com certo enfado. Eu me refiro ao gênero clássico, dos diretores renomados, que o trataram com esmero artístico. Cheguei nele poucos anos atrás ao ouvir de um amigo a, pra mim até então inédita, expressão "western spaghetti". Ainda dessa mesma pessoa, na mesmíssima conversa, escutei que havia um tal de "Três homens em conflito", de um tal italiano chamado Sergio Leone, pai, filho e espírito do tal Western Spaghetti, com uma tal cena final incrível... Pois passei a procurar o filme em locadoras até achá-lo e, assim que vi fiquei fascinado pela obra, que tinha um chantilli, um ponto G, saborosíssimo: a música de Ennio Morricone. Hoje, tempos depois, compartilho da percepção do supracitado amigo quanto ao duelo que encerra a película. Os três rivais (que figuram adjetivadamente no título original, em italiano: Il buono, il brutto, il cattivo) se enfrentam num terreno aberto de um cemitério com os olhos rutilantes, marca registrada dos atiradores implacáveis dos westerns. O bom, o feio e o mau, interpretados de forma exuberante por Clint Eastwood, Eli Wallache e Lee Van Cleef, respectivamente, sustentam minutos a fio de pura tensão. E a música, cirurgica, rege a situação. Ali estava o ápice de um enredo denso, passado durante a Guerra Civil Americana, e com outra série de momentos inesquecíveis e falas de efeito. Há, já no fim, uma deliciosa, quando o personagem de Clint diz para o de Wallace, com a arma em punho mandando-o cavar para achar o dinheiro perseguido em uma cova: “Existem dois tipos de homens no mundo: os que têm uma arma e os que cavam. Você cava!”.

                                              Duelo final de Três homens em conflito



Bom, mas quero mesmo é tratar dessa dobradinha Leone - Morricone, que, por fruto do acaso, até rima de tão perfeita e sedutora. É que finalmente assisti à "Era uma vez no Oeste", filme que comprei há um tempão. E mais uma vez terminei atônito, arrematado, com os efeitos que a música injeta na imagem. A mais marcante, a celebrada, é a que acompanha a personagem da estonteante Claudia Cardinale. Prostituta em Nova Orleans, ela se manda para encontrar-se com um viúvo com quem acabara de se casar. Quando chega, encontra o marido e os filhos deste todos estirados, assassinados por interesses econômicos. As terras em que ele habitava seriam passagem de uma linha ferroviária (aqui temos lascas da construção dos Estados Unidos). Essa cena, antecedida pela chegada da personagem de Cardinale,  Jill McBain, são acarinhadas pela música-tema, que é melancólica, bate fundo. Primeiro quando ela está descendo do trem vem como um prelúdio da beleza da mulher forte. Mas no momento em que ela observa os corpos, especialmente do menino menor, a canção transmite dor, finitude. Coisas de quem faz da música um dom. Li por aí, não sei exatamente onde, que durante as gravações era comum ver gente chorando na equipe de filmagem tamanha a emoção das imagens entremeadas pela melodia.

                                 Claudia Cardinale é a "musa" da música-tema de Era uma vez no Oeste.



É curioso pensar que dois italianos tenham conseguido dar toques ainda mais míticos pro oeste americano (antes, essa primazia era de Henry Ford, que tem westerns brilhantes. O meu preferido é Rastros de ódio, com John Wayne). E as músicas, em geral - pode soar como estultice de um leigo como eu dizer isso - tem pinceladas da canção folclórica italiana, suavemente, quase imperceptíveis, como tarantelas que não se concluem. Em Era uma vez na América (que faz parte da trilogia iniciada por Era uma vez no Oeste) e por Um punhado de Dólares (integrante da trilogia que culmina com Três homens em conflito), isso também acontece. Ennio, aliás, é o autor da prodigiosa trilha musical que embala o lírico "Cinema Paradiso", clássico de Giuseppe Tornatore.

                                          Tema final de Cinema Paradiso, também de Ennio Moriconni



"Era uma vez no Oeste" também nos brinda com atuações de gala de Henry Fonda, Charles Bronson e Jason Robards. Primeira vez, diga-se, que vi Fonda como um carrasco - minhas duas outras experiências com ele, "Vinhas da ira" e "Doze homens e uma setença", são de personagens heróicos. Coincidentemente temos aqui, como em "Três homens em conflito", um trio que se confunde e mantém o suspense até os minutos derradeiros. A trama também tem a esfíngica presença da gaita do personagem de Bronson, a se desvelar somente nos estertores. Aliás, outra coisa que li um tempo atrás é que era do gosto de Leone que a tríade Eastwood, Wallache e Van Cleef abrisse "Era uma vez no Oeste", na cena de tiroteio em que são dizimados por Bronson. Porém, infelizmente ela não se concretizou. Seria um liame ótimo para tão rica obra. Fez-se, ainda assim, um início arrebatador de filme, com os primeiros créditos subindo lentamente enquanto temos um silêncio entrecortado por movimentos naturais, como os do zumbido de uma mosca no rosto de um pistoleiro ou da gota que cai no rosto de um caubói. São minutos deleitáveis pra quem aprecia uma filmagem meticulosa, que no mais essencial traduz os detalhes da vida.

Não é à toa que Quentin Tarantino reverencia Leone. Hoje, tendo visto boa parcela da filmografia dele (ainda preciso completar as trilogias) sou fã entusiasmado. E enxergo na simbiose itálica com o maestro Ennio Moriconni um laboratório em que trocas podem ter como subproduto o que de mais sublime a arte pode produzir.

5 comentários:

  1. Caro Valdomiro,

    Achei seu blog, enquanto vagava pela net procurando sobre o Tarantino. Sou fã dele, e estou ansiosa pela estreia de Django. Sempre soube sobre sua paixão pelo western spaguetti, mas nunca me aprofundei nesse gênero do cinema.
    E confesso, seu texto me deixou com vontade de ver esses filmes.
    Infelizmente hoje não posso me dedicar tanto a essa paixão, que tenho desde que tinha 10 anos de idade. Hoje, tenho 30, e pelos compromissos da vida acabo deixando certas coisas de lado.

    Um abraço e feliz 2013!
    Roberta

    ps.: se você gosta bastante do Tarantino, procure no youtube a entrevista que ele concedeu recentemente ao Howard Stern por causa do lançamento de Django, que considero um ótimo entrevistador (ele pode ser polemico, mas prefiro em vez desses entrevistadores chapa branca).

    ResponderExcluir
  2. Oi Roberta, obrigado pelo comentário. Fico feliz que tenha gostado. Vou procurar. Sou muito fã dele, do estilo, assim como dos westerns spaghetti. Porém, tenho lido críticas desoladoras, de caras que respeito, sobre Django livre, Elas contaminam meu humor e preparação para o filme.. rs Vamos aguarda..

    ResponderExcluir
  3. Roberta, se puder me passa algum contato teu (e-mail ou facebook) para trocarmos mais informações a respeito..

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fico com receio dos críticos, aliás, a única pessoa que eu respeitei imensamente como crítica foi Pauline Kael, que até livros dela eu tive, e como tenho péssimo hábito de emprestar minhas coisas e nem anotar para quem foi, eu não faço a menor ideia onde está meu livro dela...



      Claro! Pode me adicionar no facebook:

      www.facebook.com/roberta.souza.374

      Excluir
    2. Olha a conversa de fã!
      Vai ter mostra no MIS sobre as influencias de Tarantino, mas injustamente, excluíram esses filmes.

      Excluir