domingo, 25 de agosto de 2013

Maria, uma vitrine para um amor

Maria é dessas mulheres que têm plena consciência de sua beleza. Não esnoba, longe disso. Mas sabe transformar seu brilho em charme. Seu caminhar é lírico, uma poesia original. O feitiço é imediato. E adora flanar pela cidade. Nos meses em que nos envolvemos, não era do sexo furioso nem das noites de vinho com queijo que eu mais gostava não. Meu prazer supremo eram nossos passeios pela cidade. Eu, de mãos dadas, às vezes largava e a deixava à solta observando vitrines. Que deleite! Transforma-se em amante voyeur de suas passadas clássicas, suas arrumadas de cabelo a um pequeno agachamento para observar melhor um perfume, um vestido ou pares de óculos escuros.

E na hora de comer, a forma de pegar os talheres, o cuidadoso gesto de levar a colher à boca. Em diversas oportunidades me peguei naquela paralisia ocular, em que ficamos presos fixamente num ponto, com a imagem a turvar-se. No caminho do prato à boca eu me sentia numa sedução impassível, como que a apagar todo meu passado e nada mais esperar do futuro. Aquele era um momento sublime, poucos segundos que pareciam uma vida. Hedonismo visual completo.

Foram quase quatro meses dessa relação em que meu sentido mais aguçado foi a visão. Não que as outras ficassem deficitárias, muito pelo contrário. O cheiro de Maria até hoje me remete às flores de laranjeira. Sua voz, de uma candura, ainda massageiam minha memória. Seu toque, a sua pele, despertava imediato desejo em mim. Maria tinha na boca o gosto da vida. Mas ver seu charme natural, sem a mínima afetação, foi o prêmio que ganhei.



Pois aconteceu o dia em que, na saída da sessão de cinema, Maria rompeu o namoro comigo. Ironia das ironias, o fim deu-se por conta do meu voyerismo com ela. Assim que pisamos na calçada, larguei sua mão, em gesto característico, para deixá-la tomar distância e eu poder olhar calmamente seus detalhes encantadores. Ela não gostou e fez um questionamento inédito, incisivo:

- Carlos, por que você sempre me deixa solta na rua? Tem vergonha de andar de mãos dadas comigo?

Diante de súbita pergunta, fiquei desencontrado. Não queria revelar que ela para mim era como um quadro vivo, um alimento para minha vista. Gaguejei e soltei uma ideia impensada, uma gafe fatal para uma mulher daquele porte tão definido:

- Gosto de ficar à vontade, sem grude...

Logo percebi a besteira. Se seus movimentos eram um bálsamo para mim, uma nutrição diária, fiz entender o contrário. Que aquela relação era um fardo.

- Então você me acha um chiclete? - perguntou e logo levou as mãos ao rosto, em sinal típico de incredulidade, e deu uma risada nervosa. Para chorar, faltou pouco. Entrevi os olhos marejados, na verdade, mas ela segurou e apressou o passo, pedindo para não segui-la.

Tentei segurar seu braço mas logo afrouxei. Até naquele momento daninho eu não resisti à tentação de vê-la caminhar, desta vez furiosa, objetiva, inquieta. Parei e fui vendo seu vulto lindo, harmônico, ir sumindo. A ruptura deu-se sem decretos (estamos terminados!). Foi no silêncio e com esta última visão. Eu não queria dizer nada, nem poderia. Jamais diria a Maria que o combustível da relação era quase platônico. Era a poesia que ela entornava ao caminhar. Cansei de flagrar, nas paredes da mente, versos que se produziam a cada passo que ela dava. Quando ajeitava uma alça eu lia um pequeno Neruda a exprimir o amor. Nas omoplatas se deslocando era possível ter novos sonetos de Vinicius e pequenas trovas medievais. Não lamento perder os beijos e sussurros de Maria. Lastimo não ter mais o prazer de sua imagem a flanar, de seus trejeitos suaves, de sua não percepção do meu papel de espectador. Nunca mais a vi nem procurei. Ouvi que casou-se com um soldado e mudou-se para Pernambuco. Apenas fico aqui pensando que o mundo deveria ser voyeur dessa mulher a passar em exposição.

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