domingo, 11 de agosto de 2013

A rosa de uma semana inesquecível

A rosa de uma semana inesquecível

(Texto livremente inspirado na música Cajuína, de Caetano Veloso)

A pequenina rosa desde aquele dia adornava sua sala. Era uma companheira, com sua vermelhidão viçosa e suas folhas de lembrança. Recebera o presente na despedida, em que a lágrima nordestina não se turvara, reluzia num misto de esperança e dor. Enquanto o fruto da terra e do amor permanecesse vivo, o elo emocional sobreviveria.

Aquela ideia machista, tradicionalista, da flor ser entregue pelo cavalheirismo masculino fora rompida naquele gesto. No dia que partiria, Suzana recebeu um caloroso beijo, um abraço eterno, sentiu as lágrimas dele deslizarem pelo seu rosto áspero e um copo de cajuina, aquela preciosidade piauiense. Aqueles instantes suas memórias se embaralhavam enquanto olhava para os olhos dele. Foram dias inesquecíveis, de pulsação carnal e amorosa inéditas em sua vida. Quando então ele foi ao canteiro e puxou a pequena rosa, tão nua e elementar, Suzana perdeu o ar. A ternura do gesto, a beleza simples e clássica do pomo terreno, um presente vivo, a delicadeza daquele homem, tudo fez a sua alma desabar. Viu que era um homem lindo, mas a vida fina, fininha, que às vezes impede a estufar da relação.

Foi uma semana de profundo deleite. Em férias, Suzana resolveu conhecer Teresina, uma das únicas capitais nordestinas que ainda não conhecia. A única capital de um estado da região que não está na margem atlântica, sem praia. portanto. Logo na chegada, no almoço em um restaurante próximo ao hotel, também perto do Rio Parnaíba, em um calor de fazer jus aos trópicos, conheceu Roberto. O destino dava sua piscadela. Estava só também, sentado numa mesa vizinha, devorando uma miscelânea de crustáceos doridos. Ela pediu um guardanapo e recebeu em troca um sorriso plácido, com as faces ruborizadas. Roberto perguntou seu nome, disse que era teresinense e poderia mostrá-la as belezas locais naquela semana, já que, por essas coincidências da vida, estava também em férias. Roberto elaborou uma agenda dedicada ao turismo de Suzana. Assim deu-se o encontro.





Nas semanas seguintes ao retorno, a rosa soprava a memória para ela. Estava num vasinho bem ao lado da televisão. Continuou conversando com Roberto, favorecida pela tecnologia e a disposição. Tinha fotos que tirara ao seu lado nos passeios pela igreja de São Benedito, no bairro Ilhotas e outros cantos da cidade agora distante. Os  milhares de quilômetros que separavam São Paulo de Teresina não distanciavam seu coração. A doçura de homem, seu sotaque romanesco, sua acolhida, as noites de amor e o sabor da cajuína ensopavam sua nostalgia.

Haveria um reencontro? Na vida adulta a independência não deveria dar asas ao amor e romper barreiras? Ela, médica, paulistana, com consultório, não poderia largar tudo e mudar-se para Teresina? Ele, um comerciante quarentão, sem filhos, não teria o ímpeto da migração passional? Foi tudo tão rápido, a oferta de atenção turístico-amorosa, a estupefação da descoberta de uma paixão repentina, os silêncios após o sexo voraz, as bocas molhadas, não deram tempo para a projeção. No dia da despedida, quando esteve na casa de Roberto pela primeira e única vez, quando a clarificada cajuína umidificou sua garganta e a rosa foi ofertada, houve um longo silêncio carinhoso. Em nenhum momento promessas foram feitas. Havia apenas uma cumplicidade na mirada reciproca. Suzana como que agradecia a Roberto pelos dias gloriosos e originais. Roberto respondia, sem palavras, apenas com o marrom dos olhos, na doçura do encontro. Um dia não haveria mais a rosa, que murcharia com o crepúsculo do tempo. Mas no jardim de sua saudade sempre piscaria a intacta lembrança de uma perfeita semana em Teresina. Pois não é a isso que se destina a existência?

Um comentário:

  1. eu gosto de te ler, meu amigo! gostei da mudança de rumos dos seus escritos. Já que a vida é uma grande ilusão, fiquemos com tudo aquilo que chamamos de realidade (e nem sempre é) expressados por palavras: os contos

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