quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Pedalando com Molière - quando o teatro vai ao cinema

A paixão por uma peça 'sacra' do teatro francês, do teatro de um gênio francês, é o eixo de "Pedalando com Molière", que está em cartaz no Espaço Itaú em São Paulo. Aliás, é mais um exemplo de tradução pessimamente feita de título, transformando-o em mambembe. O original Alceste à byciclete (Alceste de bicicleta) deveria ser mantido, traduz bem mais a essência do filme, enquanto o que está vertido nos cartazes e no bilhete é de um ridículo...


Mas, enfim, voltando ao que interessa. Um ator chamado Serge Tanneur (Fabrice Luchini) resolve isolar-se da sociedade (lembrou-me o brasileiro Walmor Chagas, falecido recentemente e que tinha optado por esse estilo retirado de vida) e vai viver num local chamado Île de Rè, na França. Vai viver como um misantropo, avesso aos contatos sociais. Um outro ator, Gauthier Valence (Lambert Wilson), vai procurá-lo para propor encenar uma peça de Molière chamada justamente O misantropo. Então temos os dois em diálogos incríveis, profundos, sobre a natureza humana e disputando a todo momento em cara e coroa quem é o personagem principal, o tal Alceste, referido no título da peça, e seu debatedor em boa parte da história. 




Muitas são as cenas de ensaio em que as vaidades dos dois se excitam e geram conflito. E esse estado emocional é representado justamente pelos diálogos, já que a quase todo momento Alceste expõe sua aversão aos outros e sua autoestima elevadíssima. Os conteúdos confundem-se com as personalidades. E, detalhe, até quase o fim Serge não deixa claro se aceita ou não encenar a peça, apenas submete-se aos ensaios. Paralelamente a esse aspecto mais refinado, artístico, temos um desenrolar banal da história, com passeios pastelões de bicicleta dos dois pela ilha (com tombos circenses), uma italiana que mexe com os corações dos amigos-inimigos e bela fotografia. 




Eu diria que as reflexões de Molière sobre o estado do ser e a necessidade de méritos e diferenças entre as pessoas são o ponto forte para quem gosta de um cinema pensante, humano, sem fórmulas bem acabadas de felicidade. Quem deseja isso sairá satisfeito do cinema. Sairá com a sensação de que viu mais uma obra francesa com cara de francesa, em que ícones intelectuais do país são o vaso condutor de uma trama. E também dará algumas risadas, trata-se de uma comédia. Há boa música também, em especial uma italiana que toca em um passeio de carro, e a que desfecha o filme. Há paixão, devoção por um criador. Tanto que os 'contendores' se entregam aos diálogos como se eles fossem sagrados, uma bíblica teatral. Lembrei de um filme italiano que vi no mesmo espaço da Augusta há poucos meses chamado César deve morrer, quando presidiários encenam "Julio Cesar", do Shakespare, mostrando trechos da peça para a audiência. 



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